terça-feira, 3 de dezembro de 2013

P.P

Não é um resfriamento, um endurecimento. Apenas um entendimento. Não, não me diga que soa como amargura. Mas também, Florbela, não são sedas pálidas a arder. São pálidas e só. Sem mistério ou encanto. Não trago versos nos lábios, trago-os bem nus. A falta do desejo me esgota, inexpira, vai além-tédio, meu velho.

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Cada vez mais os poetas portugueses me parecem certos
O desejo permanece no inalcançável
Uma quimera querida
Sua realização não traz o mesmo encanto
Apenas o desencanto

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Terço

Mais uma vez me enrolo
e nesses rolos te envolvo
entrelaço as mãos, os lábios
e num suspiro solto,
perco todos em orações

domingo, 20 de outubro de 2013

Sincronia

Eu não queria ele
queria o momento
viver ele plenamente
eu era o momento
e de alguma forma ele o integrava
e o momento não se estende
existe, apenas, no momento

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Cardápio

Não há poesia para hoje
Estamos esgotados
Do quê?
De romances mal sucedidos
O café forte também acabou
Temos apenas uma água rala
Quase acinzentada.

sábado, 5 de outubro de 2013

Compras

Cada vez mais tinha certeza do que queria. A calça verde havia deixado tudo mais claro. Ela trazia a verdade natural de sua simplicidade e conforto e servia tão bem com aquele momento. Falava do conforto da ausência de preocupações, da simples liberdade de ser responsável por apenas si mesma. Era a reviravolta da certeza do que não querer, do que escapar e fugir com toda a velocidade possível. Trazia aquele desmazelo e medo masculino ao ouvir falar de compromisso.

domingo, 29 de setembro de 2013

Nossa. Minha.

Me encontrava num final de tarde
Ouvia o que outrora fora música nossa
Hoje puramente minha
E reparei que o sentido de nossa mudava com os ipês

Os brilhantes entenderão

E quanto menos palavras uso, mais você as quer. Sejamos francos: há algum motivo para essa conversa mansamente “cotidiana”? A essa altura da vida, da semana, do dia não há espaço para pequenos joguinhos. Hoje poupo qualquer esforço, poupo-me de ti. Psicologia reversa, não se esforce tanto. Hoje já tive tremores, perdas arredondas, interjeições desculpáveis. Leia adequadamente minhas atitudes de ontem, confio plenamente em seus instintos básicos para te ajudarem.

sábado, 28 de setembro de 2013

Dezembro

A situação, para ela, acompanhava as tendências do mês. Após um calor exacerbado, uma chuva repentina, que não serve para refrescar, apenas abafa e desmancha possíveis planos. Seus olhos verdes mostravam as pupilas interrompidas pelo constrangimento e a ignorância de como saber agir. Mexia e remexia na trança que se desmanchava em sua homenagem.
O sol aumentava a exaustão, mas, pelo lado Poliana da vida, disfarçava a vermelhidão. Nos abraços sentia a câmera focando seus olhos abertos, impossível fechá-los. Era a vilã, roubava o romantismo, roubava a esperança e o bom senso. Era a vilã com saudades. Saudades de um passado distante, de um passado presente, de uma ausência daquela situação.

Dezembro caia sobre os seus pés, com tal força que lhe roubaria o sono a noite. Dezembro desembrulhava possíveis amores, deixava-os nus, arreganhados no chão. Dezembro abortava.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Dois minutos talvez

Ela piscava os olhos repetidas vezes. Já não um ato involuntário, mas sim necessário, calculado, salvador. Buscava apoiar-se no cercado, na parede, nos próprios pés. Era necessário certo esforço para conseguir manter-se concentrada no que estava sendo dito. Seria interessante. Não apenas interessante, seria muito bom. A menina permitia-se algum  florir, já era primavera. Pensava como seria a quebra daquela barreira e esquecia do presente. Foco! Ordenava a si mesma, para depois esquecer as próprias ordens.

sábado, 14 de setembro de 2013

Talvez de noite

     Ela já sabia que era incerto, mas ousou criar alguma expectativa. Ria ao lembrar das flores que haviam descoberto o dia e ao lembrar das que sentiam o gosto da terra. Nestas se reconhecia. Pensava em ser aquelas amarelas que vira mais cedo. Recordava já ter sido reflexo das roxas que se atiravam dos galhos, em um salto desesperado para o brusco.
    Sorria tão largamente que se deslocava do padrão. Sorria ao perceber o efeito que surtia naquele recém nascido menino. Ria-se tão abertamente que o desconcertava. Seu comprometimento em ser um homem de palavra a desconcertava. Queria um certo descompromisso e o seu auto intitular "homem" já bastava para mais um riso. Contudo, admirava a sua preocupação.
    Movia o corpo esguio segundo o ritmo de sua própria frequência. Já não estava onde estava. Corria os olhos fechados, não para o encontrar, mas para se perder em si. 


quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Uma falta de tradicionalismo no calendário

Tem dia que tudo o que precisamos é a oferta de um suco de laranja no meio do tumulto. Mas esses dias, como pode-se esperar, são malandros. O passado decide dar um bocejo, e no meio dessa careta singular surge uma conversa estúpida, cuja única reação adequada é, e desde já peço desculpa pela interjeição: CARALHO. 

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

mim i'mim

Era uma felicidade tranquila, genuína
Genuína por ter seu início, princípio em mim
Não ser reflexo de palavras, atitudes, esperanças alheias

Sorria com os olhos, pois os lábios não me bastavam

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Interrompido




Não havia, não há
Seja por qualquer tentativa, seja por um apego doentio
Nem o mais doce sonhar
Nada traz o sofrer por amor

Tão seca a flor no chão,
Que após o despencar brusco
Não ousou deixar semente
Apenas se decompôs
Voltou à terra e nela ficou.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Tin tin



Um brinde ao final dessa semana encantadora,
Ao fantástico findar de seis meses
Aos amores abortados no princípio de suas gestações.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A(não)gosto



Abandonava-me
Já não havia barreiras em mim,
Não era o ápice da liberdade
Mas a mera dissolução dos limites
Um dissolver-me e entregar-me
Numa inércia mórbida
Já não me ocupando, vazando por cada orifício arrombado em minha existência
Liquefazendo-me, escapando
Deixando de existir por aquele momento

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Três minutos



Vigésima noite de inverno. Temperatura com algumas variações. Previsão do tempo: constrangedor. Primeiro passo, reunir a coragem naquele espaço restrito para uma meia ação. Esperar resposta. Segundo passo: reunir a dignidade que resta. Deixar espaço amplo de embaraço. Ele já estava certo, “Ah dindi, se tu soubesses como machuca...”.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Sua escolarização



O ensino foi aos poucos
Começamos com o básico, o primário.
E logo começou a me surpreender,
Detalhes que ainda não havia ensinado
Mas descobria sozinho,
por instinto ou por pesquisa.