domingo, 16 de abril de 2017

Que me afogue, que me aguente

Estou tão cansada
E já torno a chorar novamente

E mais uma vez sozinha
O chuveiro escorre meu rosto
Gota a gota
Se desperdiçando

E isso nunca passa
Eu me mecho e nunca muda
Fica tudo para um futuro ausente
E eu choro e choro, e choro
Meu choro, meu suor, ninguém sente

Minha poesia, minha fala silenciada
Eu enterro sob camadas
Que ninguém percebe que estão quebradas
E eu sofro e ninguém me entende
E eu quero que acabe, mas nunca acaba
E eu choro, choro como sempre
Trancafiada, tão privada
Cada vez é um motivo que me tormenta
E eles voltam e se reproduzem
Para um rompante
Para quando deitar é preciso
Quando tudo o que eu quero é dormir
Eles me cercam como esse calor indecente

E me sopram no pescoço esse bafo quente

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Eu despertei aqueles que dormiam há tanto tempo
Os sacudi com um tropeço, quando entrava sem acender a luz
E todos eles acordaram, unos, sem vontade de voltar ao vale dos sonhos
Decidiram que seria melhor me acompanhar
Por entre as entranhas, por entre as páginas e os segundos
Decidiram ser meu fiel cão de guarda e não me deixar sair
Me guardando só para os seus dentes, só para seus olhos cegos

Encrustaram nas solas dos meus pés, embaixo da minha unha
Contaminando a minha boca, contaminando minha pele, meus olhos
Decidiram que seria melhor me acompanhar
Me levando para longe, numa noite abafada
Decidiram nunca mais me abandonar
Me guardando só para os seus dentes, só para suas mãos asquerosas. 

sábado, 24 de outubro de 2015

Porcelana quebrada

O prego começava a roçar a pele, testando a sua resistência
Aumentava, bem devagarinho, a pressão
Rompia aquela branca barreira consagrada, pura, quente
Adentrava cada vez mais
Sentindo o prazer da carne sendo alcançada e derrotada,
Espalhava por todo aquele vermelho forte e quente
O seu mal de ser gente
O seu mal de amar e ser amado
E corroía aquela pele que ali fixava,
Branca e dilacerada,
Na cabeceira da cama ali permaneceria,
Aquele pulso piegas que batia
Aquele pulso amado que sangrava

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Maravilhosa aventura

Me atrevi a enfiar os pés ali, naquela novíssima livraria com cheiro de mochila nova. Engolida pela grandeza de suas luzes, o altar de suas caixas floridas. Ah! Era dia de ser A-V-E-N-T-U-R-E-I-R-A. corri os olhos pelas estantes, me atrevi a pensar em Portugal. Então, no meu ato mais temerário, abordei uma vendedora e perguntei-lhe por Lisboa. Com toda a sua sagacidade, a moçoila me garantiu que essa terra tão bela era brasileira. E, em seu belo ato de humildade, confessou não dominar os mapas e assim não pode confirmar se em Lisboa estavam os calorentos cariocas ou os fugazes paulistas.

Quando especifiquei minha busca, surgiu ali, entre Vinícius e Coelho, me transportando aos adoráveis Oompa-Loompas, a gerente. Trajada belamente com sua roupa de escoteiro, soou o apito e disse aos trinta e dois vendedores que já nos cercavam: “A caça ao tesouro começou!”. Saíram todos agitados, balançando suas bandeirolas, correndo os olhos e os dedos pelas estantes, indo de A à Z em apenas dois volumes. Passaram-se horas, até me atrevo a dizer dias, até o primeiro Pessoa surgir, entre rojões e festa. 

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Para além, para aqui

A água não corria como se crê
Era de um azul tão intenso que estes meus olhos nunca viram.
A areia da sua margem transbordava
Era mais viva que eu
Me envolvia numa paz quente
Era o retorno a alguma morada
Aruanda

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Confessionário

Talvez a ti passe,
pelos seus doces olhos,
despercebido
A minha necessidade de todo o dia
Me por a inventar.

Crio mundos, salas, quarto
construo carros e faço nascer árvores
para nos cercar.

Talvez ainda não tenhas percebido,
Que nos dias em que não me trazes o bendito pãozinho
Pereço, morro devagarinho.

sexta-feira, 27 de março de 2015

Que me encha

Não me basta.
Sempre me assombro quando chego nessa afirmação tão densa.
Terrorismo perfeito
Que me persegue há tempos.

Sempre tremo quando posiciono “só”
Ante(s de) “você”.

Nessas horas escuras
Minhas pernas bambeiam mais do que nunca
Pois nunca há resposta que me encha a boca
Me jogam, assim, no chão
Me taxam de louca.