quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Carmesim

        Mexeu a garganta, seca. Seu único movimento. Tentou engolir novamente, atreveu-se a tremeluzir as pontas dos dedos da mão direita. Buscou o ar com avidez, forçando os pulmões a se expandirem. Os olhos fixos no relógio da parede da cozinha. Umedeceu os lábios, o gosto do batom carmesim tocou delicadamente a língua. Ainda estava fresco. Piscou os olhos pintados. Buscou novamente o ar. Seu jovem rosto contraiu-se pelo pesar. Já era tarde, sabia disso. Algo morno começou a empapar o vestido, principiando pequeno, mas avançando rapidamente na renda preta. O ponteiro do relógio passou novamente pelo número 12. Fazia dois segundos que o tiro começara a roubar-lhe a vida.

Como a Paula diria, querido?


Objetivo: manter a boca ocupa, sempre. Eternamente nessa próxima meia hora, no mínimo. Hum... Esse horrível bife está irresistível, não? Não consigo parar de comer, veja bem. Essa sua conversa tortuosa simplesmente tem que ser um monólogo, não é minha culpa. Culpe o cozinheiro desse restaurante formidável! Agora entendo porque você insistiu tanto em virmos aqui, esse suspeito aroma é simplesmente acolhedor. Sei sei, você acredita que eu deva me posicionar sobre esse nosso problema. Talvez um pouco de sal ajude a descer mais fácil essa vaca miserável. Se eu balancei a cabeça é uma forma de interação, não me culpe por isso. Se em casa ainda tiver bis vou fazer uma torta com eles. Então eu também sou culpada por terem pregado Jesus na cruz? Sim, a sua calça é um problema, mas sempre podemos iniciar uma fogueira. Algo bem ritualístico para espantar todo o mal do seu guarda-roupa. Mais uma água, por favor.  A primeira camada da torta era brigadeiro branco? Ah... Um beijo bem na hora em que acabo de engolir, quanta gentileza querido. Como é mesmo que Paula diria? “Enquanto você pensa em me beijar...”.

domingo, 27 de janeiro de 2013

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Esse choro preso que não se liberta. Repleto de uma aflição mal fundamentada. Completamente sem enredo, se quer posso culpar os personagens. Não há! Sobe na garganta, contrai meu corpo numa agonia muda. Traz a mente o nada, um vácuo torturador que agrava, agrava isso. Agrava tudo. Sentada, reclusa em mim, se desfaz essa dor. Então bate a saudade desse sentimento incompreensível, mas tão vivo. Tão latente. Ao menos com ele meu coração descompassa.